A REVOLUÇÃO DE 1932 VISTA PELO IMIGRANTE PORTUGUÊS, JOSÉ DA CRUZ THOMÉ


José  e Mário da Cruz Thomé, dois  irmãos portugueses, imigraram para o Brasil nos anos 1920.
Ambos estabeleceram-se em Ourinhos. Mário casou com Gaudência Matachana e tiveram  o filho Aldo, que foi prefeito de Ourinhos. José casou com Maria Tocalino (Mariquinha). Dessa união nasceu a filha Neuza.  
Em  2009, já escrevi aqui sobre os dois ( http://ourinhos.blogspot.com.br/2009/04/jose-da-cruz-thome-o-livreiro.html ).
A neta de J. C. Thomé, Valéria Thomé de Oliveira enviou-me a cópia de uma carta que ele escreveu para o irmão Augusto, que vivia em Coimbra. Nela, o jovem de 24 anos analisa a recém findada Revolução de 1932. Trata-se de um importante documento histórico porque mostra esse movimento sob o olhar de um imigrante português a poucos anos estabelecido no Brasil.




“São Paulo, 20 de outubro de 1932
Meu caro Augusto
Que a ventura e a saúde continuem sendo constantes moradoras de sua casa. Graças a Deus, com minha Mariquinha, vamos vivendo bem.
Para variar… desculpa a demora desta: recém-casado, a princípio, depois a Revolução Paulista, que nos isolou do mundo de 9 de julho a 10 de outubro. Gostaria de te descrever o que foi este sublime movimento de civismo, mas muitas folhas de papel, muito tempo e todas as minhas faculdades descritivas não dariam sequer para os preâmbulos; limito-me a te dizer que os 7 milhões que povoam este grande Estado de S. Paulo fizeram uma Revolução na verdadeira acepção do termo, e só deixaram de sustentar o fogo da defesa de seus ideais quando a última das traições foi superior a todo o seu formidável esforço.
Foram 3 meses de luta, na qual participaram nacionais e estrangeiros, como se todos formassem um só cérebro e uma só ação. S. Paulo queria, e quer, o restabelecimento do regime constitucional. As ditaduras faliram e não passam, onde já passaram, de manifestos fracassos e de perfeitas expressões de tudo menos de civilização. Uma numerosa facção do exército, tal e qual como na nossa Pátria, apoderando-se do Governo, não o quer mais deixar. Regime de Espada sem balança. A sentença ditada pelo arbítrio sem passar no prisma da justiça. Força sem lei – despotismo. Foi contra isto que o mais adiantado dos Estados da Federação se levantou, tendo sido vencido pela traição de uma parte das forças em operações, justamente aquela a quem mais cabia o dever de defender o Estado a que pertence: a Força Pública (Polícia) composta de um efetivo de 15.000 homens e que no infame gesto arrastaram mais de 80.000 voluntários que, empolgados pelo patriotismo, a ela estavam incorporados. 5.000 baixas nos soldados constitucionalistas. 12.000 nos ditatoriais. (…) É minha opinião que as coisas vão melhorar no Brasil, particularmente no Estado de S. Paulo e limites, após a convulsão interna porque vimos de passar. As necessidades desta verdadeira guerra, com todas as suas custosíssimas (?) despesas, obrigaram a circulação monetária do numerário já existente e, ainda, do que foi emitido, sendo que o primeiro estava retido nos bancos devido à instabilidade dos negócios e a deficiência de transações. Cidades que foram totalmente, e outras parcialmente, destruídas precisam ser, de novo, alevantadas; consequentemente, teremos trabalho para os operários e movimento para o comércio e a industria (S. Paulo é o maior centro industrial da América do Sul). E, conquanto esta atividade, que já se inicia, não seja propriamente essencial, é, pelo menos, aparente, o que, afinal, não deixa de ser atividade e esta, naturalmente, traz a abundância.
Não importa, para os que têm, sua residência fixa no país, que a moeda fique, como forçosamente ficará, desvalorizada. O que importa é que haja essa moeda em circulação.”
Foto: José e Mariquinha quando noivos


Comentários

Valéria Thomé de Oliveira disse…
"Obrigada queridas pelos comentários tão bacanas! O Vô Thomé não era fácil não. Mta gente o tinha como mto bravo, severo mesmo. Mas eu, graças a Deus, só tive o melhor dele! E comigo ele era um doce! Ainda me supreendo como naquele tempo ele conseguia tocar aquela livraria tão grande e q abastecia toda a região, e ainda manter aquela sala de leitura livre, onde as pessoas podiam ler como se fosse uma biblioteca pública."
Marili Cury Moreira disse…
"Tudo que vem dos nossos ancestrais, que podemos ver, mostra o perfil desses maravilhosos exemplos de caráter, inteligência e talentos, sejam eles quais forem,e isso faz com que fiquemos muito mais emocionados. Era muito correto e com ele aprendi muita coisa. Bjs prima.
Sylvia Tupiná Perin disse…

Sylvia Tupina Perin Perin (amiga de Valéria Thomé de Oliveira) comentou um link link que você foi marcado.
Sylvia Tupina Perin escreveu: "que lembrança linda , meu pai tinha o seu avô como mestre e conselheiro , dizia que era um sábio e o tinha também como um pai ."
Margaret Cury disse…
"Valeria, é emocionante a gente ler essa carta!Tio Thomé era muito inteligente,com certeza!"
Cecília Nicolosi Palma disse…
"Valeria, que incrível conhecimento, maturidade e discernimento tio Thome demonstrava aos 24 anos. Um jovem sem duvida muito inteligente. Convivi muito pouco com ele mas me recordo de ir a livraria quando estava em Ourinhos e adorava as historias da sua avo sobre o casal. Parabéns vc e a Clau tem um DNA privilegiado. Bj"
/valéria Thomé de Oliveira disse…
"Grata José Carlos! Seu blog sempre sério, responsável, simpático e de valor histórico!"
tiavonete disse…
Conheci o Sr Thomé, alí, no balcão da livraria. Sempre às voltas com livros, revistas e material escolar. Sério sim, mas educadíssimo e elegante.

Postagens mais visitadas deste blog

7 - A EDUCAÇÃO SECUNDÁRIA NAS PRIMEIRAS DÉCADAS: O EXTERNATO RUI BARBOSA.

A FAMÍLIA ABUCHAM

OURINHOS 100 ANOS DE HISTÓRIA - 2 - A primeira década: os imigrantes e a expansão inicial da cidade.