FALA ROBERTO PELLEGRINO

USOS E COSTUMES
Os que citarei são mais quatro dos vários usos e costumes para mim estranhos com que deparei, naquele longínquo 1951, ao “mergulhar” na sociedade ourinhense. Faço questão de frisar que o termo “estranhos” não possui conotação negativa, significando apenas que eu nem sequer imaginava sua possível existência, já que na minha terra natal esses três costumes eram diferentes (atentem ao fato de que eu disse “diferentes”, e não “melhores”).
1. O tratamento de “senhor” e “senhora” dado aos pais.
2. O hábito mais ou menos generalizado de adultos não fumarem na frente dos pais, por considerá-lo um ato desrespeitoso.
3. A pessoa declarar que “perdeu o voto” por haver votado, em uma eleição, em um candidato que não se elegeu.
4. O hábito também mais ou menos generalizado de não tomar água gelada, alegando que fazia mal.

Pelleberto Rogrino

MODA
Ano de 1951. Aos 14 anos, eu me vestia à italiana, com roupas trazidas de Roma. Minhas calças eram curtas, bem curtas. Meus coetâneos ourinhenses ou trajavam calças compridas ou curtas, mas estas bem mais longas que as minhas. E por isso eu tinha de aguentar as gozações da molecada... Meu irmão, Franco, com idade entre 18 e 19 anos, vestia calças compridas sem barra, a última moda na Itália. O que também causava estranheza nos ourinhenses, que achavam esquisitas inclusive nossas camisas esporte sem bolsos.
Hoje em dia a moda é universal, globalizada: todos se vestem da mesma maneira, não importa a latitude nem a longitude, mas naquela época as coisas eram diferentes. As novas modas demoravam anos para chegar ao Brasil, e mais ainda para alcançar Ourinhos. Portanto, em termos de roupas, nós, os Pellegrino, éramos estranhos no ninho...
Ah, sim, os sapatos. Meu pai e meu irmão tinham verdadeira obsessão por sapatos bem engraxados (todos os meus tios homens, como legítimos sicilianos, compartilhavam essa mania), e certamente a Ourinhos daqueles anos, com sua terra vermelha onipresente, representava um desafio e tanto.



O TREM
Durante a viagem de trem que de São Paulo nos levou a Ourinhos, em 1951, fiz duas importantes descobertas.
1ª Que no Brasil havia mato pra burro, o que não significava que existiam loucos por manteiga por todo o percurso do trem (em italiano matto = doido; burro = manteiga). O significado da palavra “mato” nos foi explicado por um simpático rapaz que nos ministrou a primeira aula de português. Quanto a “burro”, eu já sabia que não era manteiga, e sim asino, pois se tratava de uma das pouquíssimas palavras da língua portuguesa de que minha mãe se lembrava (já contei que d. Maria era nascida em Jacutinga, MG, e que se mudou para Roma com os pais quando tinha 5 anos).
2ª Que, sim, existiam locomotivas movidas a lenha (na Itália eram elétricas), que espalhavam no ar e nos passageiros cheiro de fuligem, a própria fuligem e faíscas.
O “moderno” trem saiu da Estação Sorocabana não lembro se às 7 ou às 8 da manhã e chegou a Ourinhos às 10 da noite. Uma viagem e tanto!

Roberto Pellegrino


OS URUBUS E AS ANDORINHAS


Qualquer lugar é minha pátria porque de qualquer lugar posso ver o céu.
--Sêneca

Nos meus primeiros dias em Ourinhos, ficava olhando para o céu e admirando o voo dos urubus, que eu não conhecia. Urubu, nome feio para uma ave feia, que, porém, voa magnificamente. E o céu ourinhense era coalhado deles. De perto, com seu andar desengonçado, o urubu chega a ser asqueroso, mas lá em cima, volteando no ar, torna-se majestoso, e sua feiúra, beleza.
Anos mais tarde, os urubus, até então únicos protagonistas, tiveram seu reinado abalado pela concorrência de outras aves: as andorinhas. Embora mais graciosas que os urubus, as andorinhas só podiam competr com as performances aéreas daqueles exibindo-se em bandos. Assim, o céu de Ourinhos passou a apresentar dois extraordinários espetáculos: os magníficos voos individuais dos urubus e as estonteantes evoluções coletivas das andorinhas.

Roberto Pellegrino

AS BARATAS
Domani voglio ritornare a Roma! Amanhã quero voltar a Roma! Foi isso mesmo, em altos brados, que d. Maria Pulcinelli, minha mãe, falou naquele início de noite de outubro de 1951. Sei grito ecoou pela rua dos Expedicionários, próximo à esquina com a Nove de Julho, em Ourinhos. Um grito lancinante, cheio de pavor, no instante em que meu pai acendeu a luz da sala da casa que havíamos acabado de alugar. Lembro-me da cena como se fosse hoje: baratas enormes, parrudas, às dezenas, talvez às centenas, cobriam as paredes, e muitas encetaram uma revoada digna de filme de terror! Nada a ver com os mirrados e “subdesenvolvidos” bacarozzi da Cidade Eterna que, comparados aos seus congêneres tropicias, perdiam de goleada. Minha mãe não regressou a Roma no dia seguinte, nem nunca mais...

Roberto Pellegrino

Comentários

Anônimo disse…
Deliciosos essas observações curtas e objetivas. Me fez viajar no tempo, que nem era o meu.
Obrigado.
Del Vigna
Romane disse…
Opa! Epa! Oba!
Teclei Roberto Pellegrino no Google e ele me aparece nesta situação, de calças curtas!
Bom, qual é mesmo o teu e-mail, Roberto Romanista? O meu é
antonio.romane@gmail.com É que quero enviar o convite para o lançamento do livro do meu filho Estê~voa (o primeiro).
Textos deliciosos, mesmo, hem?
Dia desses me lembrava que cheguei a ver quase todos os filmes de Kurosawa no Cine Ourinhos!

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