FALA ROBERTO PELLEGRINO

Foto: encontro de Ourinhenses em São Paulo

Roberto Pellegrino, filho do Rodolfo, está relatando fatos do seu passado, em e-mails que encaminha para os amigos. Pedi-lhe autorização para inserí-los em Memórias.


NATAL
Muito estranho o Natal de 1951, meu primeiro no Trópico do Capricórnio: aquele calor ourinhense não tinha nada a ver. Lembrei-me da última Missa do Galo a que havia assistido em Roma, na igreja de Santa Agnese, na Via Nomentana, perto da nossa casa. Isso em 1950. Fazia um frio danado. Não que eu sentisse falta do frio, pois o calor, mesmo excessivo, é mais agradável e fácil de suportar. Mas que o Natal tropical não combinava com minhas raízes e com meus usos e costumes era fora de dúvida.
Hoje, no entanto, para mim, Natal sem calor é como amor sem beijo ou macarrão sem queijo. Totalmente sem graça.


CHEGADA AO BRASIL
Uma das coisas estranhas que achei ao chegar ao Brasil – e acho até hoje, embora eu já viva aqui há 58 anos – foi o jeito de os brasileiros contarem nos dedos. Da mesma maneira que alguns outros usos e costumes, como, por exemplo, a predileção pelo arroz, o modo para mim complicado de contra nos dedos foi trazido da China pelos marinheiros portugueses.
Outra estranheza constituiu o primeiro cafezinho tomado em território brasileiro, mais precisamente no Rio de Janeiro, porto em que nosso navio atracou antes de seguir para Santos, onde a família Pellegrino desembarcou, e depois para Buenos Aires. Na então capital do maior produtor mundial de café, eu, meu irmão, minha mãe, meu pai e mais outra família romana, também de quatro membros, fomos, cheios de expectativa, degustar um cafezinho em um bar. Surpresa das surpresas, decepção das decepções: nos serviram café de coador! Em 1951, em certos aspectos, o Brasil era realmente o fim da picada...
O que dizer, então, da mesmice na mesa dos ourinhenses daquela época? Todos os dias comiam-se as mesmas coisas, exceto às quintas e aos domingos, quando era servido macarrão. Quinta e domingo: macarrão e cinema. Ah, sim, depois do cinema, footing na praça Melo Peixoto.
PALADAR
Rio de janeiro é considerata la città più bella del mondo. Isso declarou a professora de italiano e latim, Maria Farina, em 1951, a nós, alunos da 3ª série ginasial do Ginnasio Massimo d’ Azeglio, em Roma. Contei à minha mãe, que ficou toda orgulhosa, pois ela havia nascido no Brasil, em Jacutinga, MG. No mesmo ano, em setembro, quando nosso navio atracou no porto do Rio, deslumbrei-me com a beleza da então capital.
Foi em Santos que fiz meu primeiro contato com um produto tipicamente brasileiro: a garapa ou caldo de cana. Gostei? Não gostei? Não soube dizer. Lembro-me que achei seu gosto muito estranho, exótico. A mesma coisa ocorreu quando experimentei uma manga. Também achei seu sabor esquisito, meio “agressivo”. Meu paladar europeu precisava se acostumar para apreciar devidamente tanto a garapa quanto a manga. E isso aconteceu bem rápido. Em compensação, com a feijoada foi “amor à primeira vista”. Adorei logo de cara. Quanto ao quibe, então, que maravilha! Embora não seja uma iguaria brasileira, conheci o quibe em Ourinhos, vendido na rua pelo seu Abrão (“Quende!”) com sua cestinha. Todos os dias de manhã, ao voltar das compras, minha mãe me trazia alguns, com os quais eu me deliciava. Numa ocasião, eu e o Clóvis Chiaradia comemos todos, isso mesmo, todos, os quibes da cesta do seu Abrão!
No caso do sorvete... bem, aí o bicho pegou. Naqueles primeiros anos da década de 1951, os sorvetes em Ourinhos eram de lascar! Eu, acostumado com os de Roma, tinha de me consoloar com aqueles lamentáveis sorvetes do Bar Cinelândia. Contudo, gostava dos “palitos” de coco queimado.

FESTA DE FORMATURA
Numa manhã de dezembro de 1951 (não lembro se sábado ou domingo), deparei com algo para mim surpreendente. Eu morava na rua dos Expedicionários, numa casa ao lado do Grupão. Fui caminhando e, na rua Nove de Julho, dei com o Cine Ourinhos aberto e cheio de gente. Curioso, entrei. Pela primeira vez na vida presenciei uma cerimônia de formatura, a qual (a cerimônia) nem sabia que existia. Achei muita pompa e circunstância, para falar a verdade, para a entrega de um mero certificado de conclusão de curso primário. Logo me dei conta de que aí havia a influência da cultura norte-americana. Aviso aos espíritos sensíveis e aos provocadores: eu era um garoto de 14 anos proveniente de uma sociedade que, durante o fascismo, havia tomado um porre de pompa e circunstância, e que, depois da guerra, tornara-se asceta nesse âmbito. Por isso minha estranheza.

Comentários

Wilson Monteiro disse…
Achei interessante esse depoimento do Roberto Pellegrino.
Tive mais amizade com o pai dele e o irmão Franco.
Lembro-me que quando chegaram da Itália,eles costumavam usar umas camisetas brancas,eu achava aquilo uma coisa diferente.
O Sr.Rodolfo era muito extrovertido,falava muito e enquanto falava ficava se movimentando,não parava no lugar.
Era uma boa pessoa.
Algumas vezes me ajudou na tradução de cartas de parentes da minha esposa que vinham em italiano.
Um grande abraço para o Roberto.

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